269

que algum motivo occorra que a explique melhor... aos olhos dos outros.

— Como queira; a minha porta não se fecha a quem me procura.

E separaram-se depois de se cortejarem.

— Se me não engano — dizia comsigo Henrique, em caminho do quarto — é um verdadeiro desafio o que eu acabo de dirigir a este rapaz. Quer-me parecer que estou sendo bem ridiculo, desafiando um mestre-escola. Se lhe deixo a escolha das armas, decide-se pela férula. Tem graça! Veremos o que ámanhã, á luz do dia, eu penso d’isto tudo. Eu já não fico por mim esta noite. Estou a querer convencer-me de que tenho andado estouvadamente e com não demasiado cavalheirismo. Que diabo! É que esta mulher e este creancelho são irritantes. Ella com a sua altivez, elle com os seus brios. Mas, na verdade, será este o Endymião d’esta esquiva Diana? Caprichos feminis... É o tal primo ingenuo e timido... A ociosidade da aldeia para alguma coisa ha de dar. Mas da maneira por que ella lhe falou... Havia certo tom de sinceridade... Astucias... O que é certo é que estou em lucta com uma mulher superior... Pois luctemos, priminha, mas com armas leaes. Não me prevalecerei do segredo que o acaso me revelou, se segredo existe... Veremos como ella ámanhã me trata...

Esta scena deixou em Augusto uma perturbação de espirito mais profunda.

As operações mentaes, que o preoccuparam toda a noite, eram d’aquellas a que repugna chamar pensar. É mais uma febre intellectual, um succeder de imagens sem ordem nem filiação, que não conduz a nenhum resultado, que não aconselha nenhum partido, que não esclarece, offusca.

Como se explica esta differença entre os dois? Por um apparente parodoxo; porque Augusto tinha mais habitos de reflectir. Quando n’uma vida de episodios uniformes e apparentemente vulgares, o