Todos tiravam pitadas, todos falavam, riam e guinchavam, todos fingiam espirrar e não se ouvia senão: «Dominus tecum» e «Deus te salve» no meio de toda aquella confusão. Porém a um signal de mestre Pertunhas, que deixou por um pouco folgar o espirito das massas, tudo entrou na ordem.
Preparava-se nova transição dramatica. O criado, que vae a saír, volta, dizendo com gesto espantado e tom exclamatorio:
Jesus, Jesus, que é isto?
Jesus do meu coração!
O signal da cruz me livre
De tão terrivel visão.
Era a Fama que apparecia.
Ermelinda entrava em scena.
No meio d’aquellas figuras rusticas, e mais ou menos grosseiras, que entravam no auto, a figura delicada e angelica de Ermelinda produzia tão completo contraste, que um murmurio significativo de profunda sensação correu o auditorio.
Ermelinda estava surprehendente de formosura. Haviam-se associado ao que era n’ella dotes naturaes os cuidados de Magdalena e de Christina, para lhe darem a apparencia superior.
O proprio Henrique, que até alli estivera commentando maliciosamente o espectaculo, não pôde reter uma exclamação de surpreza, que foi secundada por o conselheiro. É que parecia que um verdadeiro anjo occupava agora a scena.
A simplicidade do vestir concorria para esse effeito.
Ermelinda trazia uma longa tunica alvissima e de amplas mangas, que lhe descia solta dos hombros sem sacrificar a menor belleza dos graciosos contornos e esbeltas proporções d’aquella creança, que promettia ser uma mulher esculptural. Os cabellos, cuja côr loura era de uma pureza rara, caíam-lhe desatados e profusos sobre os hombros, brilhando