tanaz, onde não ha religião nem temor de Deus... Ó meu divino Jesus, e para isto tanto padeceste por nós! E nós tão pouco caso fazemos dos vossos preceitos, meu doce Jesus, filho de Maria Virgem... Depois queixamo-nos da vossa justiça, quando já ardemos nos fogos do inferno...!
A pequena Ermelinda tremia cada vez maïs.
A velha proseguiu, em todo o caminho, n’estas exclamações, bramando contra o peccado, contra a familia do Mosteiro, que acoimava de herejes, contra o pae de Ermelinda e contra está, e, no seu fervor religioso, desenvolvia sobre o thema do peccado dissertações não em demasía apropriadas aos ouvidos de uma creança.
O resultado foi apoderar-se da pequena Linda um excessivo terror. Das palavras da madrinha, que nem bem entendia, ficára-lhe uma horrivel convicção de que tinha a alma pérdida, e com lágrimas ardentes pagava a pobre creança bem caro as alegrías d’aquella tarde, de que já tinha remorsos. Este desalento e pavor quasi a fizeram doente.
Quando o pae voltou, estranhou-a. Elle, que vinha orgulhoso com os triumphos proprios e com os da filha, sobresaltou-se ao abraçal-a, Interrogou-a; pediu, ordenou; nada pôde saber que explicasse os vestigios de lágrimas que descobria n’ella; se instava, provocava-lhe o pranto; desistiu pois.
Pobre pae! não pôde dormir aquella noite! Logo de madrugada teve de levantar-se, porque tinha de partir para o Porto em recovagem.
Deixou Ermelinda a dormir; não a quiz acordar; beijou-a na fronte desmaiada, abençoou-a e saiu.
—Comadre,—disse ao passar por casa do Zé P’reira—ahi lhe deixo a pequena. Olhe-me por ella, que não está lá muito boa.
—Vá com Deus—disse uma voz de dentro.
Era a sr.^a Catharina.
O recoveiro partiu, silencioso e triste.