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Não se assustem os leitores que antipathisam com o maravilhoso. Nada ha aquí que se pareça com as visões épicas; foi uma visão como muitas, que nós todos, uma où outra vez na vida, experimentamos; um d’esses espectáculos, que nos prepara de quando em quando a imaginação, está fértil e poderosissima creadora, que nos acompanha incessantemente. A quem não terá de facto succedido vêr transformar-se pouco a pouco uma perspectiva, desvanecerem-se os effeitos da visão exterior, enfraquecerem as impressões dos sentidos, e avultarem, tomarem fórma, realidade, vida, as imagens de uma maïs intima, espontanea e mysteriosa visão?

Estava Henrique á janella do quarto que habitava em Alvapenha. Sabemos já que se gosava d’alli um panorama extenso e amenissimo. A tarde parecia de primavera. Henrique corria com prazer a vista pelos differentes logares da quinta de Alvapenha, com as suas noras e mêdas, colmeias, eirás, cabanas e sebes. Era uma verdadeira quinta rural, resentindo-se, porém, um pouco de ser a proprietaria d’ella uma senhora velha, e com pouca actividade para tratar da lavoura.

Pouco a pouco deixára Henrique de vêr a quinta como ella era.

Principiava a visão interior.

As arvores copavam-se de folhagem; messes aloiradas ondulavam nos campos; numerosos rebanhos cobriam os lameiros extensos; atulhavam-se de cereaes os celleiros; alastrava-se de grão o chão das eirás; gemiam as noras e os lagares; soltavam-se ás prêsas os diques, e uma verdadeira rede liquida envolvia em suas malhas a vegetação dos campos; alvejavam as camisas dos ceifadores e echoavam nos montés e arvoredos as cantilenas aldeãs; e os maïs caracteristicos e poeticos episodios da vida agricola desenrolavam-se aos sentidos, deleitosamente allucinados, do sobrinho de D. Dorothéa. Era