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Christina rezava ainda, e como a porta por onde Henrique entrára ficava por detraz d’ella, não o viu chegar.

Henrique ficou a contemplal-a todo o tempo que ainda durou a oração.

Ao levantar-se, Christina, voltando a cabeça, descobriu-o, e soltou um grito de susto. A obscuridade que havia na capella não lhe deixou perceber logo quem fôsse, o que mais lhe augmentou o terror.

Henrique caminhou para ella, dizendo-lhe:

— Não tenha receio, Christina. Sou eu.

Reconhecendo-o, a timida rapariga ficou espantada. Como se explicava a presença de Henrique n’aquelle logar? Nem tempo teve de imaginar explicações. Henrique accrescentou:

— Sou eu, Christina: eu a quem a menina salvou e por quem com tanto fervor veio rezar aqui. Obrigado, mais uma vez lhe digo, obrigado, Christina. Quiz fazer-me comprehender todos os castos e abençoados prazeres da familia; depois de me dedicar as suas vigilias, dedicou-me as suas orações. Deixe-me beijar-lhe a mão com todo o affecto, com toda a paixão que pode haver na minha alma.

E dizendo isto, levou aos labios a mão, que ella, de enleiada, nem ousára retirar das suas.

— Agora peço-lhe, Christina, que, já que me fez antever as delicias do viver da familia, não me condemne para sempre ao supplicio de não as vêr realisadas. Lembre-se de que não conheci mãe, de que não tenho irmãs, de que tenho vivido só, e de que cêdo voltarei a essa vida solitaria e gelada, que me será agora uma tortura. Compadeça-se de mim. Quer vir occupar no meu coração o logar vago que ha n’elle para as affeições de mãe, de irmã, e de...

— Henrique!... — murmurou quasi inintelligivelmente a sobresaltada creança.

— É deante d’esta Virgem, a quem orava com tanto fervor, é pousando a mão sobre os Evangelhos