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Os soccorros prestados ao herbanario fôram inuteis.

Todos se convenceram depressa de que era de facto um cadaver.

Os indifferentes voltaram a continuar a eleição.

Ia principiar a segunda chamada.

O morgado das Perdizes, impressionado devéras por a scena, andava desconsolado por o adro, e só de má vontade entrou na igreja.

O conselheiro, Augusto e Henrique, e mais alguns homens do povo, acharam-se sós junto do cadaver.

A commoção tirava a Augusto a frieza de animo para dar as ordens precisas. Henrique tomou isso a seu cuidado. Houve assim um momento em que o conselheiro esteve só com Augusto.

N’aquelle instante o coração do homem politico era superior ao resentimento.

— Augusto — disse elle a meia voz — a morte não deixou este infeliz completar a ultima recommendação, que parecia querer fazer-me. Eu adivinhei-lhe porém o sentido, e para prova offereço-lhe a mão de amigo.

E, dizendo isto, estendia-lhe a mão.

Augusto não lhe correspondeu, e disse-lhe, ainda com a voz commovida:

— A mão que v. ex.a me estende é a mão do homem que esquece e perdôa as injurias, e eu não posso ser perdoado, porque me não julgo criminoso. Desde que uma vez v. ex.a formulou a accusação e se fez juiz, prefiro, a ter de ser julgado sem provas, uma condemnação a uma absolvição. Fico mais em paz com o meu orgulho.

A presença de alguns curiosos obrigou a interromper este curto dialogo.

Henrique voltou com os aprestes para a conducção do cadaver.

Augusto acompanhou a casa o herbanario.

O conselheiro, impressionado pelas ultimas scenas, sentia-se pouco disposto a permanecer alli.