habilitado a fazer circumstanciada chronica, que abrangesse os ultimos dez annos.

Não concebia vida fóra d’aquillo.

O mundo para elle era Lisboa. Não sentia desejos, nem imaginava possibilidade de visitar a Europa, quanto mais a provincia; o que seria maior façanha.

Não que lhe faltassem recursos para realisar qualquer projecto d’esta natureza.

Henrique herdára dos paes rendimentos bastantes, dos quaes vivia folgadamente e sem precisar de sacrificar nos altares da economia.

Mas a indolencia lisbonense manietava-o alli. A poucos ia tão direita a apostrophe de Garrett aos seus «queridos alfacinhas», a qual se pode ler no livro setimo das Viagens.

De certo tempo em deante começou, porém, a incommodal-o uma especie de vácuo interior, um mal-estar, doença infallivel nos celibatarios sem familia, quando chegam á idade a que chegou Henrique, e passam a vida como elle.

Tudo lhe causava fastio. Bocejava em S. Carlos, bocejava nas camaras, bocejava no Gremio, bocejava no Suisso, no Chiado e nos circulos dos seus amigos, os quaes principiaram tambem a achal-o insupportavel de insipidez; porque poucas coisas ha que mais perturbem o espirito, do que o espectaculo d’um homem que boceja ou dorme, onde e quando os outros forcejam por divertir-se.

O demonio da hypocondria, esse demonio negro e lugubre, implacavel verdugo dos ociosos e egoistas, o qual havia muito o espiava, apoderou-se d’elle em corpo e alma.

Ahi temos, desde esse instante, Henrique muito preoccupado com a sua pessoa, imaginando-se victima de mil e uma molestias, as mais disparatadas e incompativeis, suspeitando-se conjunctamente predestinado para a apoplexia e para a phtisica, para o cancro e para a alienação, para a cegueira e para