"Eu durmo e o meu coração vela; eis a voz do meu amado que bate, dizendo:— Abre-me, irmã minha, amiga minha, pomba minha, imaculada minha; porque a minha cabeça está cheia de orvalho, e me estão correndo pelos anéis do cabelo as gotas da noite."

"Eu abri a minha porta ao meu amado, mas ele já se tinha ido, era já passado a outra parte. A minha alma se derreteu, assim que ele falou: busquei-o, mas não o achei; chamei-o, e ele me não respondeu."

E Ângelo, quando estes versetes lhe vinham ao espírito, misturados com os suspiros da vaga saudade, que ele mal definia e em que mal acreditava, caía em fundas cismas, para as quais só havia uma consolação: — escrever. Não versos, desses que o público exige dos poetas mundanos, porque Ângelo não conhecia regras de arte, mas lançava sobre o papel frases como as que lia no livro de Salomão, ao correr da pena, e impregnados da quente virgindade de sua alma.

Quem roubasse da escura cela as tiras de papel, esquecidas sobre a tosca mesa de pinho, leria nas trêmulas linhas, aí traçadas todas as noites com mão nervosa, estranhos pensamentos como os que foram o capítulo a seguir.