incolor de um obscuro beijo que se fizera carne, e que o crepúsculo da tarde, pedia-lhe que o não deixasse corromper-se à sensual e perturbadora luz do sol.

Às vezes, ao cair da noite, quando a natureza parece abrir o peito, para chorar em gotas de orvalho as misteriosas dores do seu parto de todos os dias, ele esconderam ao pálido enjeitado, que vivia à sombra das paredes sonolentas e úmidas de um claustro, saía a passear pelo maltratado jardim que havia nos fundos do convento. E aí, entre as cheirosas moitas das rosas silvestres, tépidas ainda do derradeiro sol que as dourara no último poente, o seu vulto triste e meigo transparecia, como um sonho de poeta ou um fugitivo devaneio de donzela.

Pobre Ângelo! De tudo que sua alma podia conceber, só uma cousa lhe não esconderam— a Bíblia. E era com o auxílio desse poema quente e cheiroso como os perfumes de Cedar, que ele, o infeliz, enchia de estrelas os seus devaneios de sonhador impúbere.

Nesses momentos, o canto que o seu coração cantava chorando, e chorando lhe fazia agitar da boca as pétalas trementes, era o Cântico dos Cânticos, o livro do poeta rei, amante de todas as mulheres formosas do Oriente.

Ironia dolorosa! Ângelo, o casto, arrebatava-se nas asas da inspiração do poeta de mil amantes!