cabeça sobre o peito e cismava, possuído de uma expressão de bondade, que até aí ninguém lhe tinha jamais visto. A condessa de Pampadour, debruçada no seu genuflexório de veludo carmesim, tinha a fisionomia paralisada e parecia orar contritamente.
Entretanto, Ângelo falava sempre, e sempre alheio ao que o cercava. Suas frases vinham-lhe aos lábios naturalmente, sem que houvesse nele a mais ligeira preocupação de agradar ao público ou armar ao efeito. Era nada mais do que a confissão do seu entranhado amor pelo mártir do Gólgota, um descrever de dores cruciantes, que ele sofria dizendo-as ali, como se naquela ocasião as experimentasse possuído de uma revolta de arcanjo fiel e cheio de piedoso entusiasmo por esse Deus humilde, que abandonou o seu trono celeste para vir padecer, na terra ingrata, como o derradeiro dos homens.
Falava de Jesus como se falasse de um desgraçado companheiro, a quem arrancaram de seus braços para levá-lo de rastos por essas ruas, cuspindo-lhe sobre as feridas, rasgando-lhe as carnes nas pedras do caminho, e matando-o afinal num poste infame, onde se justiçaram os ladrões e os assassinos.
A sua dor era sincera, e por isso se apoderava do coração de todos que o escutavam; tanto que Ângelo, ao terminar a prédica, lançando o derradeiro lamento de desespero pela morte do Redentor,