do instrumental do ‘inimigo’, poder combatê-lo e superá-lo. Deglutir o velho saber, transformando-o em matéria-prima do novo”. Se bem que a ideia de destruição é algo moderno e Gregório não estava preocupado com essa noção.

No percurso do Manifesto, Oswald de Andrade consagra o desnudamento do homem, a sociedade de roupas precisa despir-se das vestes “sagradas” do tabu para totemizar o corpo “sagrado” do homem, “o que atrapalhava na verdade era a roupa”. Simbolicamente, Oswald dignifica o rompimento da mentira metaforizada pelas vestes do Velho Mundo e exalta a revelação da verdade que se vê estampada no corpo nu. A máscara da civilização deve cair diante do canibal. Observe-se como os jesuítas, no processo de catequese, deseducam os índios, fazendo-os vestirem roupas para as encenações ritualísticas. O jesuíta encobre o corpo nu do homem primitivo, encobrindo com isso a cultura, os costumes, as crenças, que, com a antropofagia, propõe-se descobrir, a fim de deixá-la exposta à verdade. Era justamente a nudez do indígena que causava estranhamento aos olhos do colonizador, que na descrição dos cronistas tem particular ênfase. Não há um texto em que não se perceba o tom de estranheza mediante a nudez primitiva. Por exemplo, Jean de Léry (1982, p. 64) assim considera: “coisa não menos estranha e de difícil de crer para os que não os viram, é que andam todos, homens, mulheres e crianças, nus como saírem do ventre materno. Não só não ocultam nenhuma parte do corpo, mas ainda não dão o menor sinal de pudor ou vergonha”. É nítido observar o juízo de valor que o europeu tem da vida do homem primitivo. Portanto, quando esse tipo de descrição chega ao continente europeu, causa rebuliço e interpretações que não poderiam ser diferentes das que nominam o nosso índio de selvagem. Lendo as descrições desses viajantes, encontramos a todo instante o índio sendo chamado de selvagem, isso porque observam pelo viés da religião católica, da moral cristã, dos costumes, da governança, da política, das artes. Daí o caráter preconceituoso com relação ao canibalismo. Esse preconceito também é observado em relação ao termo antropófago pelo filósofo francês, educado pelos jesuítas, nascido no fim do século XVII, Voltaire. O antropófago de Oswald de Andrade é bem diferente do de Voltaire. O filósofo comunga do pensamento de que o Velho Mundo é a nação civilizada e o Novo Mundo a selvagem. Seu discurso está cheio de ranços dessa visão préconcebida pelos europeus. A culpa é dos homens que primeiro enxergaram nosso continente e nossa gente, nossa terra. Foram eles quem primeiro ajuizaram a cultura ameríndia de bestial. Voltaire (2008, p. 91) assim discorre sobre as duas nações antagônicas:

As nações que chamamos civilizadas têm plena razão em não assar no espeto os inimigos vencidos, pois, se fosse permitido comer os vizinhos, logo devoraríamos nossos compatriotas, o que seria grande inconveniente para as virtudes sociais. Mas

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 46-57, 2016. ISSNe 2175-7917