MONTEIRO LOBATO
173

II — CINDERELLA


Uma carruagem parou no terreiro. O marquez de Rabicó adeantou-se e indagou do cocheiro quem vinha. Depois abriu a porta e annunciou:

— Senhorita Cinderella, a princeza das botinas de vidro!

— Como é estupido! exclamou Narizinho. Cinderella é casada, e não usa "botinas de vidro". Uma boa botina de vidro de garrafa precisa você no focinho...

Depois foi receber a famosa princeza, á qual fez uma grande mesura, dizendo: "Asalam alekun !"

Cinderella admirou aquelle modo oriental de saudação, que Narizinho tinha aprendido num volume das "Mil e Uma Noites" que estava lendo, e como tambem entendesse muito de coisas orientaes, porque ia a muitas festas do principe Codadad e outros, respondeu na mesma lingua: "Alekun Asalam!"

— Faça o favor de sentar-se, princeza ! disse a menina indicando uma cadeira de espaldar marcado com as iniciaes G. B. (Gata Borralheira) em grandes letras de ouro — letras recortadas em casca de laranja por Pedrinho. Depois fez as apresentações :

— Permitta-me, senhora princeza, que apresente meu primo Pedro, o conde dos Bigodes de Manga, e a minha amiga Emilia, marqueza de Rabicó.

Pedrinho saudou Cinderella com uma curvatura de bater com a cabeça no chão. Já Emilia esqueceu todas as recommendações e enfiou-se debaixo da cadeira de Cinderella para ver bem de perto os seus famosos pés calçados do menor sapatinho do mundo.

A menina horrorizou-se com aquella inconveniencia ; Cinderella, porem, achou muita graça. Poz Emilia no collo, dizendo : Já te conheço de fama !