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O IRMÃO DE PINOCCHIO

Onde estava, por exemplo, "lume", ella lia "fogo"; onde estava "lareira", lia "varanda"; se encontrava um "elle" escripto com um "l" só, dizia: "Isto é bobagem; "elle" toda a vida teve dois "ll". E sempre que dava com "botou-o" ou "comeu-o", lia "botou elle", "comeu elle" — e ficava tres vezes mais interessante.

Como naquelle dia os personagens eram da Italia, dona Benta começou a arremedar a voz de um italiano gallinheiro que ás vezes apparecia pelo sitio em procura de frangos; e para o Pinocchio inventou uma vozinha de taquara rachada que era tal qual o boneco devia falar.

Os primeiros capitulos lidos não deram para fazer uma idéa da historia. Mesmo assim Pedrinho declarou que se sympathisava com o heroe.

— Pois eu não! contraveio Narizinho. Esse freguez não me está com cara de ser boa bisca. E você, Emilia, que acha?

A boneca estava pensativa, de mãozinha no queixo.

— Eu acho, respondeu ella, que achei uma grande coisa.

— Diga!

— Não posso. Não é coisa de se ir dizendo assim sem mais nem menos. Só direi se Pedrinho me der aquelle cavallinho de pau sem rabo que está na gaveta delle.

Emilia sempre foi interesseira, mas depois que encasquetou na cabeça a idéa de tornar-se a boneca mais rica do mundo (rica de brinquedos), virou perfeita cigana, dessas que não fazem nada de graça.

— Pode ser que dê, disse o menino. Se a idéa for aproveitavel...

— Jura que dá?

— Não amole! Você bem sabe que sou um menino de palavra.

— Pois a minha idéa é esta: Se Pinocchio foi feito de um pedaço de pau vivente, bem pode ser que ainda haja mais pau dessa qualidade no mundo.