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O IRMÃO DE PINOCCHIO

Foi um escandalo. Todos a criticaram, achando muito feio aquelle procedimento; depois cahiram na gargalhada, ao lerem o que estava no papelzinho. Emilia, em vez de escrever o seu nome, havia escripto, na sua letrinha torta de boneca de panno — EU!

— Ché, que fiasco! exclamou tia Nastacia pendurando o beiço. Nunca vi acção mais feia. Eu, se fosse dona Benta, não deixava que essa cavorteiragem fosse passando assim sem mais sem menos. Dava umas palmadinhas nella, ah, isso dava mesmo! Onde se viu querer empulhar a gente dessa maneira? Crédo!

Emilia, cada vez mais furiosa, botou-lhe um palmo de lingua — ahn!

— Tia Nastacia tem razão, Emilia, observou dona Benta. O acto que você praticou é dos mais feios e só perdôo porque você é uma bobinha que não distingue o bem do mal. Fosse algum dos meus netos que procedesse assim, e eu o castigaria.

Era a primeira reprehensão que Emilia levava de dona Benta. Sua vontade foi de tambem lhe botar um palmo de lingua ainda mais comprido. Mas comprehendeu que não devia fazer semelhante coisa e limitou-se a sahir da sala, resmungando e batendo o pézinho com toda a força.

— Como está ficando! commentou a negra. Parece uma cascavelzinha de panno. Crédo!

Terminado o incidente, proseguiu-se na tirada da sorte.

Dona Benta metteu a mão no chapeu e pescou um dos papeis. Abriu-o e leu — "TIA NASTACIA".

Foi um desapontamento geral. Ninguem esperou que a sorte fosse tão burra de escolher justamente a autora do desenho mais feio. Mas a Sorte é a Sorte; o que ella decide está decidido e ninguem pode reclamar. Em vista disso a negra ficou encarregada de dar forma humana ao pedaço de pau vivente, pondo assim no mundo o irmão de Pinocchio.