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A PENNA DE PAPAGAIO

— Eu? Eu cantava, senhora formiga. Sou cantadeira de nascença.

— Hum, já sei! Era a senhora que cantava em cima dessa arvore o dia inteiro. Bem me lembro disso.

A cigarra sorriu, certa de que a lembrança das suas passadas cantorias tinha amollecido o coração da formiga. Ah, ella não imaginava o que era o coração duma formiga coróca de mais de mil annos!

— Bem me lembro, continuou a formiga. Cantava de nos pôr doidas aqui dentro. Muita dôr de cabeça tive por causa da sua cantoria, sabe? Agora está tisica e não canta mais, não é isso? Pois dance! Cantou emquanto era moça e sadia? Pois dance, agora que está velha e doente, sua vagabunda! e — plaf! deu-lhe com a porta no nariz.

A triste cigarra, de nariz esborrachado, ia pendendo para traz, para morrer, quando Emilia a susteve.

— Não morra, boba! Não dê esse gosto para aquella malvada. Está com fome? Vou já trazer um montinho de folhas. Está com frio? Vou já accender uma fogueirinha. Em vez de morrer, feito uma idiota, ajude-me a pregar uma peça na formiga.

A cigarra comeu as folhinhas que a boneca lhe trouxe, aqueceu o corpo na fogueirinha que a boneca lhe accendeu. Sarou da tisica immediatamente e quiz começar a cantar.

— Não ainda, disse Emilia. Primeiro temos de justar contas com a formiga. Depois você canta até rebentar.

O senhor de Lafontaine, curioso de ver qual seria a vingança da boneca, poz-se de lado, a observar disfarçadamente. Vendo isso, Narizinho não teve coragem de ralhar com Emilia e deixou-a em paz.

Emilia mandou que a cigarra batesse na porta outra vez.

A cigarra obedeceu, batendo os tres tóc-tócs. Veio a formiga espiar quem era. Dando com a mesma cigarra, disse-lhe um grande desaforo e já lhe ia batendo com a porta no