MONTEIRO LOBATO
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o maravilhoso caso. Limitaram-se a abrir as boccas, com os olhos fixos na penninha.

Nisto o burro relinchou no terreiro. Todos voltaram o rosto. Dona Benta perguntou de quem era o animal.

— De ninguem, respondeu o menino. E' nosso. Salvamos o coitado das unhas do tigre e agora está tão amigo que vem morar comnosco para sempre.

— E' bom de marcha?

— Mais que isso, vovó. E' um burro falante!...

Os olhos da negra, já tão arregalados, arregalaram-şe inda mais e sua bocca abriu, abriu, abriu de caber uma laranja dentro. Burro falante! Era demais...

— Será possivel, sinhá? Mecê acredita?...

— Tudo é possivel, Nastacia. Si papagaio fala, porque não ha de falar um burro?

— Mas elle não fala como papagaio, vovó! explicou Pedrinho. Papagaio só repete o que a gente diz. Este burro pensa para falar. Se a senhora ouvisse o discurso delle na assembléa dos animaes pesteados, havia de ficar boba de espanto.

— Nesse caso precisamos tratal-o com toda a consideração. Nastacia, leve-lhe umas espigas de milho bem bonitas e agua bem fresca.

A negra obedeceu. Foi ao paiol escolher as melhores espigas e encheu uma vasilha com agua da talha. Mas quando chegou ao terreiro, parou, sem animo de se approximar do burro.

— Não tenho coragem, sinhá! disse ella virando os olhos para dona Benta. Se elle me diz uma graça, cáio para traz, de susto...

— Não seja boba! Elle tem cara de pessoa muito séria.

A negra deu mais dois passos e parou de novo. Não tinha coragem!... O mais que fez foi botar o milho no chão, sobre uma toalha, com a vasilha d'agua ao lado, murmurando: