286
O PÓ DE PIRLIMPIMPIM

— Elle se quizer que venha até aqui. Eu é que não chego perto; e recuou uns passos, para ver.

O burro comprehendeu o medo muito natural da negra. Foi-se chegando devagarinho e comeu o milho e bebeu a agua sem nada dizer. Mas como era de muita educação, depois que comeu nao poude deixar de agradecer.

— Muito obrigado, tia! Deus lhe pague! murmurou com toda a clareza.

— Acuda, sinhá! berrou a pobre preta. Fala mesmo, o canhoto! e botou-se para a cozinha, fazendo mais de vinte signaes da cruz.


II — DONA BENTA DE CABEÇA VIRADA


Não durou muito aquelle medo. Tia Nastacia foi perdendo a scisma que tinha com o burro, acabando grande amiga delle. Era quem o tratava, quem lhe dava milho e agua e ainda quem lhe passava a raspadeira todas as semanas, com muito cuidado para o não arranhar.

Emqunto isso, conversava com elle. Ferrava cada prosa tão comprida que a boneca chegou a dizer, piscando os olhinhos de retróz:

— Isto ainda me acaba em casamento!...

Penninha havia desapparecido na mesma noite da chegada, depois de restituir a Emilia sua penna de papagaio e prometter a Pedrinho voltar mais tarde, para leval-os ao Mar dos Piratas.

Dona Benta ouviu a historia do passeio ao Paiz das Fabulas com especial interesse para tudo quanto se referia ao senhor de Lafontaine, cujas obras havia lido em francez. Sempre tivera grande admiração por esse fabulista, que considerava um dos grandes escriptores do mundo.

— Estou lamentando não ter ido com vocês a essa terra. Uma prosinha com o senhor de Lafontaine seria dum grande encanto para a minha velhice...