MONTEIRO LOBATO
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IV — O JANTAR DE ANNO BOM


Como era de prever, não podia dar bom resultado aquelle casamento. Os genios não se combinavam e além disso Emilia não podia se consolar do logro que levara. Narizinho ainda tentou convencel-a de que Rabicó era realmente principe e que Pedrinho só dissera aquillo porque estava damnado. Não houve meio. Quando Emilia desconfiava era para toda a vida. E desse modo ficou casada com Rabicó mas separada delle para sempre.

— Está ahi o que você fez! costumava dizer em voz queixosa. Casou-me com um principe de mentira e agora, está ahi, está ahi!...

Narizinho dava-lhe esperanças.

— Tudo se arruma. Um dia elle morre e eu caso você com o visconde ou outro qualquer.

Afinal chegou o dia de Anno Bom. Era costume de dona Benta festejar esse dia com um jantar onde reunia varios parentes e vizinhos. Tia Nastacia caprichava. Frangos assados. Perú recheiado. Leitão de forno. Pasteis, doces e quanta coisa gostosa havia. Era assim sempre e foi assim naquelle anno.

Quando bateu a hora e todos foram para a mesa, começaram a vir pratos e mais pratos, até que, de repente, appareceu numa grande travessa um leitão "risonho", de ovo cozido na bocca e rodelas de limão pelo corpo.

Os meninos não esperavam que viesse leitão, porque a negra havia dito que o jantar seria só de perú. Narizinho immediatamente desconfiou e foi correndo ao terreiro procurar Rabicó. Chamou-o mais de vinte vezes e campeou-o por todos os lugares que elle costumava frequentar. Não encontrando nem rasto, voltou para a sala a chorar desesperadamente.