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res dos caminhos, rebrilhantes das pedrarias da terra e das cósmicas poeiras das alturas.

Mas a Memória é onda dum mar transcendente, que só conhecemos pelo seu aromático desenho na praia que nós somos e onde ela vêm a morrer em corpo de misterioso e estonteante perfume.

Longe de nós, fora do nosso Espaço, nas dimensões que nos são vedadas, nasce êsse Mar; o fluxo e refluxo das suas águas desenha em nossos cérebros linhas de memória, que se apagam e destroiem, mal seguras do instante em que fulguram.

A vaga brilhou instantânea e logo outra vaga de memória fez o esquecimento da primeira.

A consciência flui adormecida e às escuras, mal entrevendo os esporádicos clarões dessa Memória, que à semelhança da fosforescência dos nossos Oceanos só de longe a longe iluminam o negrume da vaga.

E toda a Vida é uma luta, um drama, um combate, um permanente esforço para segurar a instantânea luz da Memória, vaga dum mar de Outra-Vida, aflorando subtil a praia que nós somos...

A realidade é êsse combate, levado a planos diferentes, e sómente vitorioso pela audácia dos Argonautas que se aventuram no grande Oceano da Memória que, espontaneamente, em catadupas jorra do infinito coração divino.

Os Argonautas do Mistério são os sábios, os poetas e os santos. Debrucemo-nos com êles no arco da velha ponte e vejamos o mundo que passa.

O Universo passa, o tempo corre e nas suas águas precipitam-se as flôres marginais, correm reflectidos os mundos e os sóis.

O Poeta ouve o murmurio que transita, fixa o instante fugitivo, e como em chapa de aço candente as águas que recebe no peito são asas de névoa, ascenção e fulgor, caindo no Mar transcendente da Memória em perfeito e luminoso corpo de eternidade.

E assim o Poeta eterniza o instante... e assim o