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CARTAS DE INGLATERRA
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Além disso, as potencias já tinham resalvado a sua dignidade, sentando-se em torno da mesa verde da conferencia, á beira das aguas luminosas do Bosphoro, meditando com a cabeça entre os punhos a solução da questão egypcia. E, emquanto ao resto, estavam-se observando, armadas até os dentes, desconfiadas, ciumentas, odiando-se, mas immobilisadas reciprocamente pela propria magnitude dos seus armamentos.

A França receia a Allemanha; a Turquia teme a Russia; a Austria está contida por ambas; a Italia necessita a benevolencia de todas; e cada uma por seu turno treme do snr. de Bismarck, o hediondo papão, o Jupiter trovejante do Olympo diplomatico, que, no seu retiro de Varzin, torturado por toda a sorte de males, passa parte do tempo sob a influencia da morphina...

De resto, que todas appeteciam os despojos do Egypto, só o póde duvidar quem ignore os instinctos de pilhagem, de gatunice, de pirataria, que alberga sempre a alma d’um povo civilisado; mas nenhuma das potencias é, como a Inglaterra, uma ilha cercada d’um mar agitado, onde se move a maior frota da terra; e, apertadas no estreito continente, hombro contra hombro e espada contra espada, nenhuma dellas ousaria dar um passo para o lado do Egypto, com receio que o vizinho lhe saltasse ás