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CARTAS DE INGLATERRA

Dir-me-hão que eu sou absurdo ao ponto de querer que haja um Dante em cada parochia, e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos tortulhos. Bom Deus, não! Eu não reclamo que o paiz escreva livros, ou que faça arte: contentar-me-ia que lesse os livros que já estão escriptos, e que se interessasse pelas artes que já estão creadas. A sua esterilidade assusta-me menos que o seu indifferentismo. O doloroso espectaculo é vêl-o jazer no marasmo, sem vida intellectual, alheio a toda a ideia nova, hostil a toda a originalidade, crasso e mazorro, amuado ao seu canto, com os pés ao sol, o cigarro nos dedos e a bocca ás moscas... É isto o que punge.

E o curioso é que o paiz tem a consciencia muito nitida d’este torpor mortal, e do descredito universal que elle lhe attrahe. Para fazer vibrar a fibra nacional, por occasião do centenario de Camões, o grito que se utilizou foi este: — Mostremos ao mundo que ainda vivemos! que ainda temos uma litteratura!

E o paiz sentiu asperamente a necessidade de affirmar alto, á Europa, que ainda lhe restava um vago clarão dentro do craneo. E o que fez? Encheu as varandas de bandeirolas, e rebentou de jubilo a pelle dos tambores. Feito o que — estendeu-se de ventre ao sol, cobriu a face com o lenço de rapé, e