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CARTAS DE INGLATERRA

mas pelo comité revolucionario da Liga Agraria — seriam inquietações sufficientes para tirar o sabor tradicional ao plum-pudding do Natal. As desgraças publicas nunca impedem que os cidadãos jantem com appetite: e miserias da patria, emquanto não são tangiveis e se não apresentam sob a fórma flammejante de obuzes rebentando n’uma cidade sitiada, não tirarão jámais o somno ao patriota.

Não; o que estragou o Natal foi simplesmente a falta de neve. Um Natal como este que passamos, com um sol de uma pallidez de convalescente, deslizando timidamente sobre uma immensa peça de seda azul desbotada, um Natal sem neve, um Natal sem casacos de pelles, parece tão insipido e tão desconsolado como seria em Portugal a noite de S. João, noite de fogueiras e descantes, se houvesse no chão tres palmos de neve e cahisse por cima o granizo até de madrugada! Um desapontamento nacional!

Para comprehender bem o encanto da neve d’este famoso Natal inglez, basta examinar alguma das pinturas, gravuras ou oleografias que o têm popularizado.

O assumpto não varia na paysagem repetida: é sempre a mesma entrada d’um parque, de apparencia feudal, por vesperas do Natal, antes da meia-noite; o ceu pesado de neve suspensa parece uma gaze suja: e a perder de vista tudo está coberto da