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CARTAS DE INGLATERRA
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neve cahida, uma neve branca, fôfa, alta, que faz nos campos um grande silencio. Junto á grade do parque, uma mulher e duas creanças, atabafadas nos seus farrapos, com lampeões na mão, vão cantando as lôas; e ao fundo, entre as ramagens despidas, ergue-se o massiço castello, com as janellas flammejando, abrasadas da grande luz de dentro e da alegria que as habita.

E toda a poesia do Natal está justamente n’essas janellas resplandecendo na noite nevada.

Felizes aquelles para quem essas portas difficeis se abrem. Logo ao entrar na ante-camara os tectos, as humbreiras, os espaldares das cadeiras, os tropheus de caça, apparecem adornados das verduras do Natal, das ramagens sagradas do carvalho celtico; e pelas paredes, em lettras douradas ondeiam os disticos tradicionaes — Merry Christmas! Merry Christmas! alegre Natal! alegre Natal! E o mesmo grito se repete nos shakehands que se dão ao hospede.

Sob a chaminé estala e dança a grande fogueira do Natal: a sua luz rica faz parecer de ouro os cabellos louros, e de prata as barbas brancas.

Tudo está enfeitado como n’uma paschoa sagrada: dos retratos dos avós pendem ramos de flôres de inverno, as flôres da neve, e todas as pratas da casa scintillam sobre os aparadores, n’uma solemnidade patriarchal. Dos grandes lustres balança-se o