Página:Cartas de Inglaterra (Eça de Queirós, 1905).djvu/66

CARTAS DE INGLATERRA
51

tiritou toda a noite entre quatro farrapos, é perfeitamente indifferente que nos castellos as damas bocejassem.

Nem eu sei realmente como a ceia faustosa possa saber bem, como o lume do salão chegue a aquecer — quando se considere que lá fóra ha quem regele, e quem rilhe, a um canto triste, uma codea de dois dias. É justamente n’estas horas de festa intima, quando pára por um momento o furioso galope do nosso egoismo — que a alma se abre a sentimentos melhores de fraternidade e de sympathia universal, e que a consciencia da miseria em que se debatem tantos milhares de creaturas, volta com uma amargura maior. Basta então vêr uma pobre creança, pasmada deante da vitrine de uma loja, e com os olhos em lagrimas para uma boneca de pataco, que ella nunca poderá apertar nos seus miseraveis braços — para que se chegue á facil conclusão que isto é um mundo abominavel. D’este sentimento nascem algumas caridades de Natal; mas, findas as consoadas, o egoismo parte á desfilada, ninguem torna a pensar mais nos pobres, a não ser alguns revolucionarios endurecidos, dignos do carcere — e a miseria continúa a gemer ao seu canto!

Os philosophos affirmam que isto ha-de ser sempre assim: o mais nobre de entre elles, Jesus, cujo nascimento estamos exactamente celebrando, ameaçou-n’os,