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CARTAS DE INGLATERRA
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todo um longo dia de Verão. Porque emfim, sob fórmas civilizadas e constitucionaes (petições, meetings, artigos de revista, pamphletos, interpellações) é realmente a uma perseguição de judeus que vamos assistir, das boas, das antigas, das Manuelinas, quando se deitavam á mesma fogueira os livros do Rabbino e o proprio Rabbino, exterminando assim economicamente, com o mesmo feixe de lenha, a doutrina e o doutor.

E é curioso e edificante espectaculo vêr o veneravel professor Virchow, erguendo-se no parlamento allemão, a defender os judeus, a sabedoria dos livros hebraicos, as synagogas, asylo do pensamento durante os tempos barbaros — exactamente como o illustre legista Roenchlin os defendia nas perseguições que fecharam o seculo XV!

Mas o mais extraordinario ainda é a attitude do Governo allemão: interpellado, forçado a dar a opinião official, a opinião d’estado sobre este rancôr obsoleto e repentino da Allemanha contra o judeu, o governo declara apenas, com labio escasso e secco, «que não tenciona por ora alterar a legislação relativamente aos israelitas»! Não faltaria com effeito mais que vêr os ministros do imperio, philosophos e professores, decretando, á D. Manuel, a expulsão dos judeus, ou restringindo-lhes a liberdade civil até os isolar em viellas escuras, fechadas por correntes de