Lúcia caminhava toda reclinada sobre ele, falando-lhe em tom mui vagaroso, com acentuações finas de boa educação.

A sala iluminada tinha um caráter imponente. O gentleman encaminhou a conversa geral para a música, aconselhou a Amâncio a que solicitasse da Sr.ª D. Lúcia um pouco do Guarani, que ela tocava admiravelmente.

Lúcia queixou-se de que ultimamente sofria de certa fraqueza nos dedos e não tocava com a mesma expressão, mas sempre foi, pelo braço de Lambertosa tomar ao piano o lugar que Amélia deixara nesse instante. E logo as primeiras notas da introdução do Guarani encheram a sala com a sua corajosa e dominadora solenidade.

Fizeram silêncio.

Ela tocava bem, com muita energia e destreza. Amâncio encostara-se sozinho ao canto de uma janela e sentia-se ir pouco a pouco arrastando pela irresistível corrente daquelas frases musicais. Seu estômago, perfeitamente confortado, dava-lhe ao corpo um bem-estar beatífico e predispunha-lhe o espírito para as vagas concentrações e para os místicos arrebatamentos da fantasia. Um profundo langor, muito voluptuoso, apoderava-se de todo ele, e os vapores duvidosos de um princípio de embriaguez acamavam-se em torno de sua cabeça, anuviando-lhe os objetos exteriores.

E ali, da janela, suspenso ainda pelas novas impressões que lhe deparavam os novos aspectos de sua existência, abstrato e perdido em cismas indefinidas, enxergava, por entre as névoas de seu enlevo, o vulto melancólico de Lúcia, assentado defronte do piano, a tocar o teclado com os dedos, num frenesi delicioso.

Depois da música, principiou a simpatizar com ela;