Desde esse instante, todo o sentimento de justiça e de honra que Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus semelhantes. Ficou fazendo um triste juízo dos homens:

— Pois se até seu próprio pai, diretamente ofendido na questão, abraçara a causa mais forte!...

Só Ângela, sua adorada, sua santa mãe, à noite, ao beijá-lo antes de dormir, depois de lhe perguntar se ficara muito magoado com o castigo, segredara-lhe entre lágrimas que "ele fizera muito bem..."

Como aquele, outros fatos se deram na meninice de Amâncio. Todas às vezes que lhe aparecia um ímpeto de coragem, sempre que lhe assistia um assomo de dignidade, sempre que pretendia repelir uma afronta, castigar um insulto, o pai, ou professor, caía-lhe em cima, abafando-lhe os impulsos pundonorosos.

Ficou medroso e descarado.

No fim de algum tempo já podiam na escola insultar a mãe quantas vezes quisessem que ele não se abalaria; podiam lançar-lhe em rosto as ofensas que entendessem porque ele se conservaria impassível. Temia as consequências de qualquer desafronta. "Estava domesticado", segundo a frase do Pires.

Todavia, esses pequenos episódios da infância, tão insignificantes na aparência, decretaram a direção que devia tomar o caráter de Amâncio. Desde logo habituou-se a fazer uma falsa idéia de seus semelhantes; julgou os homens por seu pai, seu professor e seus condiscípulos. — E abominou-os. Principiou a aborrecê-los secretamente, por uma fatalidade de ressentimento; principiou a desconfiar de todos, a prevenir-se contra tudo,