luz, enxotando os fantasmas tenebrosos da noite e precipitando-os em debandada pelo espaço!

"Pois bem! Pois bem, meus senhores! Se ainda permanece nos vossos espíritos alguma sombra, alguma dúvida, alguma opinião vacilante sobre a inocência daquele pobre mancebo... (e mostrava Amâncio com um gesto supremo) — que essa dúvida se apague! que essa opinião vacilante se resolva na luz que nos assalta! que essa última sombra da noite se retire espavorida de envolta com as últimas sombras da noite que foge!"

— Bravo! Bravo! Apoiado! Muito bem!

E, no conflito da luz fresca, que entrava pelas janelas do edifício, com a luz vermelha do gás que amortecia, as palavras retumbantes do orador tomavam uma expressão de trágica solenidade. E os rostos lívidos e tresnoitados iam se esbatendo nas sombras da sala, como pálidas manchas brancas que se dissolvem.

Ninguém saíra antes de terminar a defesa; um empenho nervoso os prendia ali; as palavras do advogado eram aplaudidas com febre — todos queriam a absolvição de Amâncio.

Às nove horas da manhã a cidade parecia ter enlouquecido. Interrompeu-se o trabalho; os empregados públicos demoravam-se na rua; os cafés enchiam-se com a gente que vinha do júri. À porta das redações dos jornais não se podia passar com o povo que se aglomerava para ler as derradeiras notícias do processo, pregadas na parede à última hora.

Por toda a parte discutia-se a brilhante defesa de Amâncio de Vasconcelos: "Estivera magnífica! — Surpreendente! — Uma verdadeira obra-prima! uma glória para o advogado Fulano!" Repetiam-se frases inteiras do imenso discurso; faziam-se comparações: "Maître Lachaud não se sairia melhor!"