de fazer café, ao lado de uma garrafa de espírito de vinho. Nas cabeceiras das três camas e ao comprido das paredes, sobre jornais velhos e desbotados, dependuravam-se calças e fraques de casimira; em uma das ombreiras da janela umas lunetas de ouro, cuidadosamente suspensas num prego. Por aqui e por ali pontas esmagadas de cigarro e cuspalhadas ressequidas. No meio do soalho, com o gargalo decepado, luzia uma garrafa.

A luz franca e penetrante da manhã dava a tudo isso um relevo ainda mais duro e repulsivo; o coração de Amâncio ficou vexado e corrido, como se todos os ângulos daquela imundície o espetassem a um só tempo. Ergueu-se cautelosamente, para não acordar os outros, e foi à janela. O vasto panorama lá de fora estremulhou-lhe os sentidos com o seu aspecto.

A república era no alto, sobre três andares, dominando uma grande extensão. Viam-se de cima as casas acavaladas umas pelas outras, formando ruas, contornando praças. As chaminés principiavam a fumar; deslizavam as carrocinhas multicores dos padeiros; as vacas de leite caminhavam com o seu passo vagaroso, parando à porta dos fregueses, tilintando o chocalho; os quiosques vendiam café a homens de jaqueta e chapéu desabado; cruzavam-se na rua os libertinos retardios com os operários que se levantavam para a obrigação; ouvia-se o ruído estalado dos carros d'água, o rodar monótono dos bondes. Mais para além pressentiam-se os arrabaldes pelo verdejar das árvores; ao fundo encadeavam-se cordilheiras, graduando planos esfumados de neblina. O horizonte rasgava-se à luz do sol, num deslumbramento de cores siderais. E lá muito longe, quase a perder de vista, reverberava a baía, laminando as águas na praia.