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Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos,
Ao grande, ao bello; é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compreender o infinito, a immensidade,
E a natureza e Deos; gostar dos campos,
D’aves, flores, murmurios solitarios;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E á branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o miserrimo dos entes:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses thesouros
Inexgotaveis, d’illusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr’hender, sem lhe ouvir, seos pensamentos,
Seguil-a, sem poder fitar seos olhos,
Amal-a, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seos vestidos,
Arder por afogal-a em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Se tal paixão porém emfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em reciproco affecto; e unidos, unas,
Dois seres, duas vidas se procurão,
Entendem-se, confundem-se e penetrão
Juntas — em puro céo d’extasis puros:
Se logo a mão do fado as torna extranhas,