Página:Contos e phantasias (Maria Amália Vaz de Carvalho, 1905).pdf/214

208
CONTOS E PHANTASIAS

bem dirigida, disciplinada com tal mestria, que se tornára em fonte dos mais puros gozos do seu espirito.

Não sabia can-cans de salão, sabia o que dizem na sua muda lingua os astros e as plantas; não tentara penetrar na vida intima das suas amigas, contentava-se em saber a vida intima da Creação.

Nunca lhe viera á idéa penetrar com o espirito no pélago revolto das paixões insalubres; a sua curiosidade insaciada debruçava-se de melhor vontade no pélago profundo das ondas, a quem horas e horas perguntava pelas mysteriosas riquezas do seu seio.

No meio d’isto, despretenciosa e simples, julgando-se a mais ignorante das creaturinhas do bom Deus, não sabendo que era artista, que era intelligente, que tinha alma capaz de entender todas as grandes cousas.

O pae, que a vinha ver muitas vezes á casa da senhora a quem na infancia a confiára, disse-lhe um dia com o pejo a ruborisar-lhe as faces, com lagrimas a marejarem-lhe os olhos, que ella era uma filha natural, mas que tencionava reconhecel-a, regularisar a sua posição, dar-lhe todos os direitos que ella por tantissimos lados merecia.

A adoravel creança não o percebeu.

Então — castigo terrivel das suas culpas — o pae