Só o marinheiro acompanhou-o, como a própria sombra muda.
E foi então a luta mais curiosa e mais atroz, o sport mais doloroso e mais inquietante que jamais viramos, entre a palavra e o silêncio. Cada um de nós, com o instinto animal de vencer, não respondia só para obedecer ao comandante, não respondia porque responder seria a vitória do pobre diabo. Cada figura de bordo era um componente daquela máquina de separação, daquela máquina que o tenente João chamava o pneumático da vontade, a rarefação do homem, porque a palavra é a vida, e falar, trocar palavras é sentir-se viver. Godard sentia bem que nós o murávamos no silêncio, que nós cada dia erguíamos mais alto aquele muro de mudez que as suas palavras não podiam, não conseguiriam quebrar. Resistiu dois dias, no camarote, à fome. Depois veio à mesa feroz e sombrio como um jaguar e nessa atitude conservou-se dez dias, dizendo apenas: obrigado e bom dia. Ficava à porta do camarim, bufando e fumando. Se alguém passava por acaso, erguia-se tinha um rictus irônico:
— Obrigado!
Ao cabo desse tempo veio-lhe o relaxamento dos nervos, o acicate da vontade mordeu-o mais forte. Era preciso obter uma resposta, sentir que não estava morto! Inventou estratagemas. Acompanhava uma pessoa até saber-lhe o nome e de repente dizia-lhe nas costas, disfarçando a voz:
— Ó José!