Esperava em lugares solitários alguém, pedia fósforos, encartava nas palestras acaloradas uma frase dessas que exigem réplica, discussão espreitava o abandono dos marinheiros para obter uma palavra, uma apenas. Nós estávamos, porém, numa situação por demais irritante, com os tiroteios, a falta de víveres e a certeza de um fim próximo, para consentir em perder. Ao demais, se ele sofresse resignadamente, talvez algum sentimental abalado respondesse. Mas Godard era um voluntarioso, a resignação não a compreendia. Cada dia passado era para os seus nervos mais um motivo de fúria, de raiva contida. De modo que no vaso de guerra em plena revolta, havia apenas o diabólico sport de um homem contra trezentos, querendo falar, querendo viver, querendo rebentar o sudário de silêncio com que o enterravam moralmente, sem o conseguir.
Dos meios sutis, Godard caiu nos meios baixos. Ia ao comandante:
— A imoralidade do seu navio é assombrosa. Acautele-se contra o imediato que o venderá na primeira ocasião!
E inventava intrigas entre os paisanos e os oficiais, arrastava reticências, esperava a pergunta... Nós nem sorriamos. Um silêncio absoluto, um verdadeiro silêncio que ia até aos gestos, como se diante dele estivéssemos diante de um objeto indiferente e inanimado, acolhia a infantilidade desesperada.
Da intriga, Arsênio Godard caiu na humilhação.