— Não quero este! não quero! Já disse! bradava quando mudavam os guardas. São uns indignos! Uns covardes! Não me satisfazem? Que sou eu? Eu não estou morto, ouviram? Falo, falo, falo. Que importa que não me respondam? Falo, estou falando. Covardes!
Mas a cólera, como as lágrimas, batia de encontro ao ilimitado e asfixiante silêncio. Não o ouvíamos, não o sentíamos. Godard voltou à vida do beliche, a dizer: obrigado! ironicamente quando por acaso alguém passava pela porta. Já haviam passado dois meses, sessenta dias e sessenta noites. Tudo anunciava o fim da nossa aventura, e cada vez mais o nosso ódio se acentuava contra aquele objeto solto a bordo, o mercenário, o traidor. Os acontecimentos, os desastres desenrolaram-se com o cortejo de mortes, de humilhações, e diante de nós, com as idéias empaladas num silêncio desesperador, o animal sofria a nossa vingança por todos a quem nos era impossível estraçalhar, matar, vencer.
Uma tarde, o marinheiro que deixara a guarda foi dizer ao comandante que Arsênio Godard parecia febril e falava coisas sem nexo no beliche.
— Deixai-o!
— É verdade, comandante, se acabássemos com essa boca a mais?
— Oh! é preciso que ele pague a dedicação aos outros. Se fosse um resignado, há muito estaria morto, mas, por isso mesmo que enfurece, havemos