Antes de sair do quarto, naquela noite inolvidável, demorei-me muito tempo em frente do espelho. Recordo-me de ter ageitado a gravata e alisado com a mão os meus cabelos grisalhos. Encontrei poucas rugas no meu rosto; verdade seja que o quebra-luz, côr de laranja e preto, era muito benevolo e pouco transparente...
Minha irmã, saíra, havia pouco tempo. No outro extremo da casa, sózinha no salão de música, Lídia tocava piano. Pareceu-me que executava a «Marcha Heroica»; marcha de acordes vibrantes, intensivos, que animava os meus nervos doentes, excitando-me, electrizando-me. Caminhei para a porta, resoluto. Brotavam-me no cerebro, espontaneamente, todas as palavras que, dali a alguns minutos, deveria dizer: — «Ouve, Lídia: tu tens visto em mim, até hoje, apenas o teu tio e tutor. Vais fazer vinte anos e há oito que vives nesta casa. Pela tua cabecinha inexperiente nunca passou a ideia de que eu sou
— I