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Diana de Liz: Memorias


 

dal. E dava uns pontos distraídos até que o marido entrasse para jantar e continuasse a conversação de sempre — impressões sobre negocios de que ela nada entendia nem queria entender, projectos sobre a forma de aumentar a já sólida fortuna, essa fortuna que ela considerava inutil, visto que não lhe era permitida a vida mundana, visto que lhe era interdito o rouge e lhe eram proíbidas as saias curtas...

Uma vez, não se sabe porque influencia magnética, os olhos do transeunte desconhecido ergueram-se, com o mesmo véu de tristeza a ensombra-los, para a janela por detrás da qual ela espreitava. E ela recuou precipitadamente o busto, deixando caír o lorgnon, afogueada, atemorizada, como se êle pudesse vê-la, adivinha-la através das cortinas. Decorriam os meses. Saia pouco e mesmo assim á pressa, para voltar cedo, a tempo de vêr passar esse homem de quem nunca soubera o nome. Evitava, sempre que podia, receber vizitas àquela hora, defendendo o seu unico prazer, o prazer diário de seguir com um olhar de ternura compassiva alguem que não suspeitava sequer a sua existencia. Mas, um dia, necessitou de comprar chapéus, alguns desses chapéus escuros e discretos que usava desde que casára. E como de costume, saiu o mais cêdo que pôde, para que cêdo fosse tambem o regresso, pois não queria deixar de vêr, nessa tarde, o

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