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Diana de Liz: Memorias


em casa, não veio ontem, como tinha prometido. De volta da Baixa, após algumas compras, lembrei-me de procurá-la e recordar-lhe a nossa combinação. Fui a uma rua estreita e feia; subi, por uma escada escura e imunda, a um quarto andar meio arruinado. Bati, preguntei por Matilde e, aberta a porta, vi, em meio dum acanhado compartimento, a avó, megera antipatica, congestionada, que invectivava a neta ausente, vociferando adjectivos mal soantes. Três mulheres e um homem, que deviam ser vizinhos, rodeavam a velha, entrecortando as exclamações dela com indignados comentarios sôbre a fuga da pequena. Porque Matilde tinha fugido, na véspera á noite, como namorado — um chauffeur bem parecido — e deixára à avó um bilhete explicando a fuga, em gatafunhos inverosimeis, que uma vizinha, a custo, soletrára. A velha era ruim, exploradora, insuportavel; o namora do, modelo de ternura e de assiduidade, conseguira um lugar vantajoso no Porto e não a queria longe dêle. Duas razões poderosas para a desviarem do caminho da virtude .. Haviam de casar «não tarda- ria muito» — assegurava, num instintivo esboço de desculpa.

Mostrou-me a velha o bilhete, trémula e praguejante, mas sem uma lágrima nos olhos duros, verdes, circundados por um labirinto de rugas, enquanto as

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