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duma mulher da epoca


vizinhas secundavam a ira da harpía, classificando de ingrata e descarada a doce, inexperiente Matilde. Desci a escada, confrangida. Pobre rapariga! Dezassete anos humildes, laboriosos, feiçõesitas mimosas, olhos claros um pouco á flor do rosto, mas meigos, expressivos. Ainda há oito dias me tinha dito, candidamente, que o seu maior desejo era casar, montar um pequeno atelier e convencer a avó a voltar para a terra, onde tinha familia, duas geiras e um pardieiro. E, afinal, pôde mais a fatalidade do que os seus honestos designios!

Crédula, apaixonada, cedeu ás exigencias do namorado e com êle partiu para longe, sem saudades da velha desabrida e sugadora que, depois de tanto a mortificar, a apóda agora de desvergonhada... E o crime da pobre Matilde foi o de sofrer, amar e confiar... Profundamente enamorada e farta duma atribulada vida, não soube fazer calculos, não fixou ao seu amor um preço legal — o casamento — e entregou ao Acaso, incarnado para ela no airoso chauffeur agasalhado em peles, o seu corpinho miudo, ainda ontem imaculado, e a sua alma infantil, que os desenganos vão envelhecer precocemente, dentro em pouco. E sou eu, creio-o bem, a unica pessoa que a lamenta...

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