mim parecia querer arrancar-me do fundo da consciência a minha intenção oculta.

— Interesso-me — dizia eu — por uma criança desvalida que perdeu os pais... Espero obter a sua entrada no recolhimento das órfãs, e desejava nessa mesma ocasião fazer-lhe um pequeno dote...

— Muito bem, doutor! exclamou D. Leocádia. — Não pode haver dinheiro mais bem empregado!

— E eu tenho o maior prazer em concorrer para tão bela ação! De quanto será o dote que nós lhe devemos fazer?

— Com licença, Sr. Duarte! Eu protesto contra esse nós: o dote há de ser dado por mim só; quero ter o egoísmo dessa boa ação, a primeira e talvez a única de minha vida.

— Que teimoso que ele é! observou D. Leocádia rindo-se.

— Meu egoísmo porém não deve prejudicar a minha protegida, privando-a da caridade de uma família que tantos benefícios lhe pode fazer. Por isso desejo que também a conheçam...

Tirei da carteira a lembrança dada a Geraldo pela irmã.

Emília, que mudara de cores desde que eu falei na menina, fez um gesto, como se ao primeiro impulso se quisesse precipitar para me arrebatar das mãos o papel que eu lia. Mas em vez desse movimento o talhe descaiu, como um corpo a que desmaia a vida: a sua altivez sucumbia vencida.