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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

morte tinha dissipado todos os outros temores, pronunciar-se sobre um assumpto ácerca do qual nunca tivera em vida duas opiniões?

O ponto de vista do conselho de regencia era diverso e tendia a alcançar a meta da viagem navegando cautelosamente entre os baixios. O que lhe convinha era prolongar o seu termo de poder com as redeas em mãos de uma princeza de 25 annos, sem experiencia dos negocios publicos. A regencia, e n'isto se comprehendia quem a presidia, nenhuma pressa tinha em eclipsar-se e não quizera de modo algum proclamar Rei o successor legitimo antes de verificar se este se achava disposto a abdicar, como era por um motivo ou outro o voto geral do paiz.

A nota do duque do Infantado, ministro dos negocios estrangeiros da Hespanha, a J. Severino Gomes, representante diplomatico de Portugal, datada de Aranjuez a 2 de Maio de 1826, declarava que a Hespanha não intentava acto algum de hostilidade contra a regencia, limitando-se a aguardar o seguimento dos acontecimentos n'um fito de tranquillidade internacional ; ponderava porem com malicia que S. M. Catholica não podia observar as praxes de uma resposta sem que fosse mencionado o nome de Dom Pedro como o do Rei Fidelissimo. A ausencia d'esse nome, substituído pela designação imprecisa de legitimo herdeiro, não parecia a Fernando VII estar de accordo com o uso commummente adoptado para o reconhecimento de um novo soberano e principalmente de um governo provisorio que não podia nem devia agir sempre senão no nome do mesmo soberano. As credenciaes do conde de Casa Flores, enviado hespanhol em Lisboa[1], chegaram-lhe pelo meado de Junho e eram dirigidas a Dom Pedro como Rei de Portugal, Brazil e Algarves — o imperio independente do Brazil continuando assim a ser ignorado pela Hespanha, pouco inclinada a reconhecer a independencia das suas proprias colonias americanas.

Houve um curto periodo durante o qual, na phrase de Sir William A' Court, à coroa de Portugal esteve verdadeiramente sem titular (The crown is for the moment in abeyance). O embaixador contava a Canning que o general Lobo, feito

  1. O governo hespanhol quizera dar por successor a Casa Flores o general Auduaga, de quem A'Court escrevia, em despacho a Canning de 10 de Julho de 1826, que «era em demasia conhecido para que lhe fosse mistér dizer algo a respeito. Tinham-no evidentemente escolhido como pessoa capaz de emprehender qualquer cousa, não tendo nem credito nem reputação que perder. Estava talhado de feição a ser posto para a frente n'uma occasião semelhante se a Hespanha realmente nutria o projecto de tentar provocar a resistencia ás ordens do Imperador». O governo portuguez protestou contra a nomeação de Anduaga, o que levou o gabinete de Madrid a mudar de parecer.