«Uma das maiores provas do absurdo d'aquelle estylo, dizia-me um dia d'estes Bulhão Pato illuminando a questão com um dos admiraveis lampejos do seu espirito de poeta, é que até para o defenderem precisam de o abandonarem.» Mais ainda, digo eu; a prova de que esse estylo é affectado é que o sr. Anthero do Quental, quando o seu espirito, excitado pela critica justa ou injusta, que lhe foi feita, se levantou de um impeto para defender-se, quando a palavra lhe brotou espontaneamente dos labios, não procurou phraseado nebuloso, não adoptou fórmas arrevezadas, deixou-a irromper envenenada mas vehemente, resvalar pelo declive natural, reflectir na torrente espumosa o esplendor do sol claro e limpido, o desanuviado azul do nosso firmamento. Apanhámol-o em flagrante delicto de naturalidade. Surprehendemol-o antes de ir para o toucador, sem peruca, sem carmim, sem pó de arroz. É verdade que o vimos tambem em mangas de camisa, e de mangas arregaçadas. Mas antes isso, sr. Anthero do Quental, antes isso do que vestir aquella casaca allemã, tão safadinha já, e que nos quer dar por nova. Innovar, inventar, sr. Anthero do Quental! no tempo de Henrique Heine já essa casaca estava no fio, e ainda encontrou em Coimbra quem a arremendasse! Ah! Coimbra, terra de encanto, do Mondego amena flor o que te falta são alfaiates, que não tenham só obra feita, vinda pelo paquete de Bordeos.
A carta, abstrahindo da verrina indigna do sr. Anthero do Quental, revela um verdadeiro talento, infelizmente para o seu author. A unica desculpa, que tem quem põe cabelleira, é ser calvo. Agora póde o sr. Anthero do Quental voltar quando quizer ao seu tom de oraculo, póde trepar de novo aos pincaros inaccessiveis do seu estylo, vestir-se, compor-se, arrebicar-se, pôr a mascara de lata com que suppõe engrossar a voz, como os actores gregos a robusteciam com a mascara de bronze, esbravejar na tripode, imitar a aguia de Guernesey como o corvo da fabula, que tambem intentou seguir o exemplo da rainha dos ares e que se emmaranhou na lã de um carneiro, exactamente como o sr. Anthero do Quental se emmaranha nas suas lanzudas theorias; improvisar uma Pathmos da Ponte no O, ser o vidente do botequim do Throno, escrever um Apocalipse que se venda por 400 rs. nas lojas do costume, perceber o sr. Theophilo Braga e consentir que elle o perceba, chamar ode ao que nem é charada porque não tem conceito; mas não estranhe, quando estiver todo ufano com o grande uniforme de sybilla, que lhe puxem pelo rabicho e que lhe digam: «Larga a cabelleira.»
Não vou responder á carta, repito, vou apenas levantar as