10
ENEIDA. — LIVRO I.

As terras varejando. Ao mar carregam,
E horrísonos revolvem-lhe as entranhas
Nôto mais Euro, e de borrascas fertil
Africo; ás praias vastas ondas rolam.
100Homens gritam, zunindo a enxarcia ringe.
Some-se ao nauta o céo, tolda-se o dia;
Pousa no pelago atra noite; os polos
Toam, o ether fuzila em crebros raios:
Tudo ameaça aos varões presente a morte.
105Frígido, arripiado, Enéas geme,
E alça as palmas e exclama: «Afortunados
Oh! tres e quatro vezes, d’Ilio ás abas,
Os que aos olhos paternos feneceram!
Ó dos Danaos fortissimo Tydides,
110A alma em Troia vertendo-me essa dextra,
Não ficar eu nos campos, onde o bravo
Heitor d’Eacide ás lançadas, onde
Sarpédon jaz magnanimo, onde o Simois
Corpos e elmos de heroes e escudos tantos
115Arrebatados na corrente volve!»

Bradava; e a sibilar ponteiro Bóreas
Rasga o panno, e a mareta aos astros joga.
Remos estalam; cruza a proa, e o bórdo
Rende; escarpado fluido monte empina-se.
120As naus já no escarcéo pendem, já descem
N’um sorvedouro á terra entre marouços:
Remoínha o esto na revôlta arêa.
Tres rouba Nôto e avexa n’uns abrolhos,
Abrolhos sob o mar, que Italos aras
125Nomêam, dorso horrendo ao lume d’agua;
Tres no parcel (que lastima!) Euro esbarra,
Encalha em vaos, de marachões rodêa.
Uma, em que Oronte fido e os Lycios vinham,
Ante Enéas, d’avante humido rôlo,
130Do maior pino desabando, em pôpa