permittisse saborear um enredo tão philosophico. Elle entendia bem de commercio; o resto era philosophia.

Quando vinha o advogado Barroca, serio, cortez, bem aprumado, a sala se animava. Também apparecia com frequência o tabellião Miranda, Miranda Nazareth, jogador de xadrez, com a filha, a Clementina. E o vi­gario, o Dr. Liberato, Isidoro Pinheiro, jornalista, pe­queno proprietário, collector federal, typo excellente. Luiza, ao piano, divagava por trechos de operetas; Evaristo Barroca, com os olhos no livro de musica, tocava flauta.

Uma extranha doçura me invadia, dissipava os abor­recimentos que fervilhavam nesta vida pacata, vagaro­samente arrastada entre o escriptorio e a folha hebdoma­daria de padre Athanasio. Os velhos moveis, as pare­des altas e escuras, quadros que não se distinguiam na claridade vaga das lampadas de abat-jour espesso, que uma rendilha pardacenta reveste, tudo me dava socego. Fugiam-me os pensamentos e os desejos. A religiosida­de de que a minha alma é capaz ali se concentrava, dian­te de Luiza, emquanto, entranhados nas combinações de partidas rancorosas, Adrião grunia impertinente e Na­zareth piscava os olhinhos de palpebras engelhadas, co­çava os quatro pêlos brancos que lhe ornam o queixo agudo. Victorino dormia. E Clementina, de cabeça á banda, procurava os cantos e esfregava-se nas hombreiras das portas.

Coitada! Nunca achou quem a quizesse. Tenho pena della. Não a tornaria a ver encolhida á sombra do piano, fascinada pelos bigodes de Evaristo, negros e densos. Nem veria as cortinas pesadas, os montes de revistas, a mesa do xadrez. Tudo perdido.

Percorri á toa as ruas desertas, envoltas num luar baço, tentando achar tranquillidade no pó e no calor de