14
GUESTO ANSURES

«Ninguém sabe quem foi o matador; nem saberá nunca, talvez. Mas todos elles têm-no por feito glorioso, e não torpe, e, com elles, outros: matar um tyranno é matar um cão damnado. Sobrepõe elles a isso a razao de homizio. Acoimar morte pertence porém aos parentes; e o proprio Froila era o mais chegado a Vimarano, que trucidou. Não colhe pois o argumento, e fôra melhor aterem-se somente ao primeiro. O fraco d’ess’outro bem o sentem elles, e conhecem que se tornaram homiziados legitimos perante Affonso, a quem compete o maior de todos os encargos da desaffronta e vindicta: remir o sangue de u. pae, Por isso o não querem rei.»

«Por isso têem-no sempre perseguido*»

«Não é maravilha. O que porém se me afigura tal é ver quanto se tem conformado a altiveza e isenção de genio que se conhece em Froya Gutheres, cujo peito é tão livre de temor, com tanta parcialidade e obsequio a um intruso infame e féperjuro, que com tamanha fraude e cobardia se apossou do solio.»

«N’isso pelo menos não foi consentidor meu pae. Mas tenho ouvido contar o caso por tão diversos modos, que não sei qual deva acreditar.»

«É certo que ao pintal-o, muitos lhe teem dado a côr das proprias paixões; e por isso variam tanto as versões, que, acceitando-as, como acceitamos os quatro Evangelhos, não seriam conciliaveis, como estes o são. Eu me acosto, comtudo, áquella que nos dá Bermudo.»

«Ó quero ouvil-a, Guesto; pois que, só enganado, faltaria elle á verdade*»

«Reduzido a poucas palavras, eis como refere o facto: Á morte de Silo, o rei mosarabe, foi Affonso eleito e alçado rei em Pravia por quantos ali tivessem voz, instigados a isso pela rainha Adosinda, como todos sabem. Ora bem: São passados poucos dias, chega Mauregato vindo de Cangas com sua mesnada, em que entravam os mais poderosos d’entre os advendiços, e lambem alguns optimales e capitães do reino, bem como antigos condes, próceres e primates da curia e paço de Froila, sabidos amigos de Vimarano; mas tudo, tudo em som de boa paz…»

«Entre elles não ia meu pae; estavamos n'esse tempo na nossa villa de S. Martinho de Quiroga.»