O ESPERADOURO
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de, mostrando tu tanta fortaleza? Oh não! Para chegar-mos ao paraíso devemos curtir as dores do purgatorio. — Depois de um momento de silencio, proseguiu : — Vê, Ermesinda, não se te afigura symbolisado o nosso amor na harmonia que respira em tudo quanto agora nos cercca? Ve aquellas serras altaneiras que se levantam acolá como gigantes ameaçadores; se lá por cima não fosse o céo tão iimpo de nuvens; se não fosse essa meiga claridade da lua, parecer-nos-hia medonho o vago, o confuso d’aquellas sombras informes, densas como o véo que encobre o nosso porvir. Mas n’esta hora mede-se-lhe a altura, definem-se-lhe os extremos, vê-se-lhe o termo; e o termo é o throno da Esperança.»

«Sejamos sempre fieis a esse throno, meu amigo. Outr'ora, antes que estes olhos se puzessem em ti, quando na minha alma se despertavam anhelos, que não sabia definir, adiava toda a variedade de impressões nas scenas que me offerecia a natureza. A alvorada dos rouxinoes por baixo da janella, o trinir dos passarinhos no bosque onde me abrigava dos raios abrasadores do verão, a hora que medeia entre a luz e as trevas, o luar de uma noute calma como esta, o canto medonho dos castanhaes sacudidos pelo temporal, tudo me fallava ao coração uma linguagem differente. Uma béta de luz que subitamente penetrasse a cerração, ou um aroma fluctuando no ar, causava-me um abalo, trazia-me uma recordação alegre de outra existencia esquecida, vaga, sem nexo, tão desprendida de tudo, e rapida como a estrella cadente. Tudo eram sensações que pareciam nascer de correspondencia e communhão entre o mundo externo e o mais intimo do meu ser. Depois que te vi, Guesto, tudo isso mudou. As vistas mais risonhas, os dias mais alegres não tinham já poder para me acordar da minha tristeza, estando tu ausente ; nem a luta dos elementos em noute de inverno, turbava o meu regozijo, se por ventura estivesses ao meu lado. Á sensibilidade passageira, mudavel, indeterminada d'essa primeira época da minha vida, seguiu-se un estado d’alma que se firma n’um unico pensamento. Onde poderei jámais encontrar inteira resposta ás commoções que se avivam em mim, ao vêr-te ou pensar em ti?»

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