O ESPERADOURO
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guem. Ainda que Froya Gutheres se tornasse duro commigo, e contra a promessa me quizesse arrastar aps pés do altar, sei de um asylo seguro: iria clausurar-me com as irmans de S. Miguel, onde tens achado tão amigavel albergamento.»

As ultimas palavras da donzella causarão menos estranhesa, sabendo-se que se tratava de um convento duplex, para onde conduziremos o leitor opportunamente.

«Deus te abençoe, Ermesinda! Menti, menti como insensato! A lingua calumniou o coração, que este nunca duvidou de ti, querida; nem perdeu nunca a esperança que ora n’elle trasborda. Sim, tenho fé no futuro. Creio, sim, que Affonso será restabelecido no throno. Creio que Froya Gutheres o verá então com olhos desvendados. Chegados ali, faltar-nos-ha apenas um passo para atingirmos o cimo da montanha, até hoje envolto em nevoeiros. Quem sabe? talvez o nosso porvir se hade agora prenunciar em Samanos!»

«Deus o permitta!»

«Ha! ha! ha! — e a risada estridente, sahindo do bosque, reboou em echos prolongados pelas penedias e quebradas do monte. Era um rir que exprimia odio, raiva, triumpho.

Ermesinda estremeceu; o sangue se lhe gelou nas veias, e ella ficou immovel, fascinada por um terror subitaneo; ao passo que Guesto voltando-se com um movimento de sobresalto, poz a mão nos copos da espada.

«Fomos vigiados! Seremos trahidos! — exclamou a don- zella.

«Só se lhe eu não arrancar a lingua! — respondeu Guesto, dando comsigo na densa folhagem, e perdendo-o de vista Ermesinda. D’ahi á momentos ouviu a voz do mancebo, dizendo: — Se não és cobarde e espião, mostra-te!»

«Ha! ha! ha! — e resoou de novo aquelle rir satanico, d’ esta vez, porém, mais distante, e vindo de outro lado.

Ermesinda volveu os olhos para ali, e viu, á esquerda pela encosta abaixo, o vulto de um homem sobre um penhasco n’uma clareira que ali fazia a matta. Mal o tinha visto, desappareceu, galgando o que restava da aberta, e sumindo-se na espessura do bosque.