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dens, de que existem provas authenticas, vem confirmar-nos na idéa que resulta de tantos outros factos; isto é, que debaixo do manto do fanatismo se escondiam paixões, se não mais atrozes, por certo mais torpes. Essas paixões manifestavam-se impudentemente desde que as multidões se persuadiram de que a perseguição, digamos assim, official contra a gente hebréa ía organizar-se. Sabemos que nas proprias ilhas dos Açores e da Madeira, nesses pequenos tractos de terra como que perdidos nas solidões do oceano, se repetiam os insultos e as accusações de judaismo, ora cujo abono appareciam facilmente testemunhas que, depois, se provava serem falsas[1]. O que succedia com os christãos-novos de Lamego subministrava um triste documento de que o mais escrupuloso respeito á religião dominante e o proceder mais digno de bons cidadãos, a doçura e a caridade para com os

  1. Fazem disto fé os instrumentos judiciaes, apresentados pelos christâos-novos em Roma pelos annos de 1544, que se acham na Symmicta, vol. 31, f. 137 e seg., e, acerca do que se passava no reino, além do instrumento relativo a Lamego, os que se acham a f. 109 e seg., 116 e seg., 119 e seg., 151 e seg., parte dos quaes ainda teremos de aproveitar.