Luiz XI se fizera rodear de gente de baixa estofa, que continuamente atiçava a colera do rei contra a nobreza. Vivêra mano a mano com o seu barbeiro Olivier Le Daim, e tratava por compadre o preboste Tristan, executor dos seus planos sanguinarios.
Estava ainda muito viva a lembrança das crudelissimas represalias de Luiz XI,—da vingança que tirára do seu ministro Jean Balue, que de simples presbytero chegára a ser cardeal de Santa Suzana e que, suspeito de ter atraiçoado o rei com o duque de Borgonha, fôra, no castello de Plessis, encerrado n'uma gaiola de ferro, onde não podia conservar-se deitado nem de pé; do supplicio horrivel de Jacques d'Armagnac, duque de Nemours, e de seus filhos, na fortaleza de Loches; finalmente do drama tragico-burlesco dos ultimos tempos da sua vida n'aquelle mesmo castello de Plessis, onde Jean Balue padecêra, e onde Luiz XI, assaltado pelos terrores da morte, fazia vigiar as avenidas pelo barbeiro Olivier e pelo compadre Tristan, que se encarregavam de enforcar nas arvores do parque todo o individuo que podesse inspirar-lhes desconfiança.
Luiz XI havia pois morrido em Plessis, onde passára os ultimos dias passeiando ao longo d'uma vasta galeria, torturado pelo medo da justiça eterna, sem que podessem tranquilizal-o o espectaculo dos combates de gatos e ratos, as danças dos camponezes, as orações e as penitencias a que se entregava, e sem que podesse avigoral-o o uso de beber o sangue das creanças no intuito de fortalecer-se e remoçar.