charuto, e debrucei-me á janella. No fim de dez minutos, vi passar um homem bem trajado, fitando a miudo os pés. Conhecia-o de vista; era uma victima de grandes revezes, mas ia risonho, e contemplava os pés, digo mal, os sapatos. Estes eram novos, de verniz, muito bem talhados, e provavelmente cosidos a primor. Elle levantava os olhos para as janellas, para as pessoas, mas tornava-os aos sapatos, como por uma lei de attracção, anterior e superior á vontade. Ia alegre; via-se-lhe no rosto a expressão da bemaventurança. Evidentemente era feliz; e, talvez, não tivesse almoçado; talvez mesmo não levasse um vintém no bolso. Mas ia feliz, e contemplava as botas.

A felicidade será um par de botas? Esse homem, tão esbofeteado pela vida, achou finalmente um riso da fortuna. Nada vale nada. Nenhuma preoccupação d'este seculo, nenhum problema social ou moral, nem as alegrias da geração que começa, nem as tristezas da que termina, miseria ou guerra de classes, crises da arte e da politica, nada vale, para elle, um par de botas. Elle fita-as, elle respira-as, elle reluz com ellas, elle calca com ellas o chão de um globo que lhe pertence. D'ahi o orgulho das attitudes, a