Quinze anos tinha, mas sentiu-se homem naquela suprema ocasião. Nessa mesma tarde cuidou de lançar ao papel os primeiros lineamentos do esboço. Não pôde; não se dominava ainda bastante. Mas não desanimou; trabalhou parte da noite a reproduzir a atitude e a expressão da figura, tais quais as tinha na mente. No dia seguinte estava pronto o trabalho preliminar. Pronto? Ele o desfez e inutilizou, como indigno do seu modelo. Não era ainda aquilo; quase desanimado, volveu à obra, até que ela lhe saiu perfeita.

Silvestre sentiu as primeiras alegrias da maternidade. O esboço era apenas esboço; não tinha ainda as proporções, a cor, a vida, o movimento; mas era o ovo prestes a soltar a ave misteriosa da sua inspiração. Guardou-o cuidadosamente e cuidou de preparar a tela.

Entretanto, Camila não esquecera a promessa do rapaz; não lha lembrava nunca em presença do marido; essa reserva pareceu a Silvestre uma prova de discrição, própria a captar-lhe a confiança. A insistência devia ao mesmo tempo falar à vaidade de Silvestre; não falou, porque ele ainda a não tinha; era cedo para conhecer esse verme do talento.

Durante uma semana, sofismou Silvestre o cumprimento da promessa; a resistência não pôde ir além, e ele cedeu. De seus primeiros trabalhos, todos cópias mais ou menos incorretas, escolheu o que lhe pareceu melhor, era justamente a Harpia que ela lhe surpreendera naquela tarde. Camila recebeu-a com expressões de exagerado entusiasmo, contemplou-a, beijou-a, escondeu-a.

— Promete que não mostrará a ninguém? disse ele timidamente.

— Prometo.

Desse minuto em diante, Camila tornara-se a confidente natural e zelosa do jovem artista; ele lhe dizia suas esperanças, seus planos de futuro; falava-lhe ingenuamente da obra-prima com que queria dotar o mundo.

— Mas o que é? perguntava a mulher de Luís Borges.

— Depois verá. Tenho lá em cima a tela em que hei de reproduzir o painel que trago na cabeça; logo que comece a trabalhar fecharei a sala de modo que ninguém lá vá quando eu estiver fora.

— E se eu tiver outra chave?

Silvestre pôs as mãos em ar de súplica. A simplicidade do movimento desarmou a moça. Ela prometeu que não iria surpreendê-lo nunca; mas impôs uma condição.

— Desejo ser a primeira que veja o quadro.

Silvestre respondeu que sim. Nessa ocasião, Luís Borges entrou na